quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

As modas do grain-free, gluten-free, premium, vegan, blablabla

Primeiro post do ano 2017! WhooHoooo!

Vamos começar o ano da melhor maneira: deitando abaixo mitos e lendas sobre nutrição animal que já me têm andado a fazer algumas comichões (e sei que a alguns leitores também).

Várias modas têm surgido nos últimos anos em relação a novas formas de alimentar os nossos animais: rações premium, rações sem cereais, rações sem glúten, rações sem proteína animal, rações naturais/orgânicas... enfim, é tanta esquesitice que já faltava aqui um artigo a esclarecer esta baralhada toda.

Primeiro de tudo, e porque é importante perceber-mos do que é que estamos para aqui a falar, vamos esclarecer conceitos:
  • Rações sem glúten (gluten free): glúten é uma proteína produzida por alguns cereais como o trigo, cevada, centeio... Mas nem todos os cereais produzem glúten, por isso, estas rações podem conter cereais não produtores desta proteína;
  • Rações sem cereais (grain free): não contêm quaisquer tipos de cereais (e, por isso, também não têm glúten) mas podem conter, e contêm, fontes de carbo-hidratos, como vegetais e frutas;
  • Rações vegan: não contêm produtos nem sub-produtos de origem animal;
  • Rações premium super premium: não existe um significado oficial para estas rações nem uma fiscalização que assegure o cumprimento do que prometem, mas o que dizem é que têm uma maior digestibilidade, ou seja, dá-se menos comida ao animal do que as rações normais e ele absorve mais facilmente os nutrientes nela contidos.
  • Rações hipoalergénicas: (supostamente) não causam alergias. Possuem ingredientes diferentes dos que se encontram nas rações normais, geralmente ingredientes que o animal nunca tenha entrado em contacto (pato, veado, coelho, cavalo, canguru... sim, canguru!);
  • Rações hidrolizadas: consideradas também hipoalergénicas, no sentido em que a proteína passa por um processo onde os seus componentes são divididos em partículas tão minúsculas que o sistema imunitário não as consegue detectar e, por isso, não criam uma reacção alérgica.
Ai 'xôtora que confusão! Então e o que é que eu dou ao bicho? 
As pessoas gostam tanto de complicar, e as empresas de rações valem-se disso. 
A maior parte dos animais vive bem e feliz com uma ração normal, de preferência vendida em lojas da especialidade ou mesmo em clínicas (as de supermercado não costumam ser grande coisa...).

Ah e tal, mas eu sou vegetarian@ e quero que o meu animal também seja.
Forçar um animal de estimação a ser vegetariano/vegan (especialmente gatos), é a mesma coisa que forçar um elefante a comer gazelas. Não é natural. Os gatos são carnívoros obrigatórios e os cães, bem, os cães é uma história um pouco diferente. Por ridículo que pareça não há um consenso em relação ao que é o cão (é carnívoro, é omnívoro?). Estudos mais recentes indicam que o cão é primariamente carnívoro, mas com uma capacidade genética evolutiva de digerir carbo-hidratos. Tudo isto para dizer que os cães não foram feitos para comer primariamente erva (se bem que alguns parecem adorar, mas isso fica para outra história).

Então isso quer dizer que devemos comprar alimentos só com produtos à base de carne e sem cereais?
A maior parte das rações comerciais disponíveis possuem vários cereais incorporados (excepto as grain free), principalmente porque é mais barato do que fazer uma ração 100% à base de proteína animal (nem haveria donos dispostos a pagar tal quantia). O ideal é, como se passa a vida a dizer nas consultas, olhar para a lista de ingredientes dos rótulos das rações e ver quais os primeiros ingredientes (o primeiro ingrediente é o que se encontra em maior quantidade e por aí fora). Convém que os primeiros ingredientes sejam à base de carne ou seus sub-produtos.

Sub-produtos? Ai ki'orrore dra! Isso é coisa de pobre!
Meus queridos, sabem ao menos o que são sub-produtos? Ultimamente têm vindo a surgir uns mitos que fazem o consumidor comum pensar que sub-produtos de carne são componentes de baixa qualidade, cancerígenos, radioactivos forjados numa central nuclear e que vão causar o fim do mundo. Nada disso, sub-produtos são simplesmente partes do animal que não são consumidas pelo Homem, muitas vezes apenas por questões culturais (comeria fígado de galinha? E pénis de porco?). Claro que o problema aqui não são os sub-produtos em si, mas sim o facto de que o fabricante deveria descrever no rótulo de ingredientes quais os sub-produtos, e isso raramente é feito, deixando então o consumidor a pensar sempre o pior ("devem ser órgãos cheios de tuberculose, fígados com parasitas rastejantes e animais a morrer de infecções sistémicas!!"). Não nos esqueçamos ainda que muitos sub-produtos animais (aqueles que nem servem para fazer ração) são usados como fertilizantes na agricultura - nem os vegetarianos estão a salvo!

Só não percebi uma coisa dra., porque é que se adicionam legumes à ração dos cães se eles não precisam de fontes de carbo-hidratos na sua dieta?
Excelente pergunta! Vejo que está com atenção... Para além do factor económico, já anteriormente falado, há muita gente que vem com a conversa do "Ah e tal, os lobos no seu habitat, quando caçam as suas presas herbívoras, também comem o conteúdo dos seus estômagos, que tem carbo-hidratos e como os cães vêm dos lobos é tudo a mesma coisa!". Errado!
Para além de não se dever comparar cães e lobos (afinal de contas nós também viemos dos macacos e não passamos a vida a comer bananas e amendoins), a teoria de que os lobos comem os estômagos dos herbívoros é falsa e para provar proponho duas coisas: ler este excerto em inglês de um livro sobre lobos, ou ver documentários sobre esta espécie.

Oh ´xôtora, agora mudando de assunto, eu tenho intolerância ao glúten e acho que o meu animal também tem, acha que beneficiaria de uma dieta sem glúten?
Provavelmente não. Ao contrário de nós, seres fracos e inferiores, os animais não têm essas mariquices de intolerância ao glúten. Podem sim, desenvolver alergias a determinados ingredientes, quase sempre algum tipo de carne ou derivado e, raramente, a cereais. Uma revisão bibliográfica* compilou, em 2010, 278 cães de diversos continentes, todos com alergias alimentares, o resultado foi:
  • Em 34% dos casos, as alergias deviam-se à carne de vaca;
  • Em 20%, devido a produtos derivados do leite;
  • Em 15%, devido ao trigo.
Em suma, 83% dos casos de alergia alimentar em cães, deviam-se a algum tipo de carne ou seu derivado (vaca, produtos lácteos, galinha, ovo, cordeiro, porco e peixe).
Para gatos, uma compilação mais modesta** foi também realizada, totalizando 56 gatos alérgicos: 80% das alergias eram provocadas por vaca, peixe ou lacticínios.

Bem, parece que o melhor então é ir para a cozinha fazer um canguruzinho cozido ou um fígado de cavalo cru, que isto das rações é uma confusão. Assim ao menos sei o que estou a dar.
Anda também para aí muito a moda da comidinha caseira e, mais na moda ainda, a comida crua, também apelidada de BARF. Não sou contra este tipo de alimentação, desde que formulada e, de preferência fornecida, por veterinários nutricionistas certificados e com acompanhamentos periódicos da saúde geral do animal. O problema é que, se estivermos a falar de comida crua, não podemos ignorar o grande risco que corremos em relação a intoxicações alimentares e perigos de bactérias contidas em alimentos não cozinhados. Se quisermos dar comida cozinhada, o mais provável é incorrer em erros de balanço nutricional e, mais cedo ou mais tarde, provocar-mos uma carência vitamínica ou de qualquer outra coisa ao animal. Não esqueçamos que, comida BARF vendida de forma comercial, pré-congelada, inclui sempre fontes de hidratos de carbono como frutas e vegetais e, pela conversa toda aqui em cima, já percebemos que, apesar dos cães conseguirem digerir estes nutrientes, eles não são essenciais para a sua sobrevivência.

Com isto conseguimos ter noção da quantidade, imensa, de opções com que os donos se deparam. Cabe aos vets formarem-se de modo a informar os donos acerca de qual a melhor opção para cada caso em particular e não se deixarem cair em modas ou pressões comerciais. 

Yep...

** Gaschen FP, Merchant SR. Adverse food reactions in dogs and cats. Veterinary Clinic North America Small Animal Practice 41:361-379, 2011.
** Guaguère E. Food intolerance in cats with cutaneous manifestations. PMCAC 28:451-460, 1993.
* Roudebush P, Guilford WG, Jackson HA. Adverse reactions to food. Em Hand MS, Thatcher CD, Remillard RL, et al. (eds): Small Animal Clinical Nutrition, 5ª ed, Topeka, Kan, 2010, Mark Morris Institute, pág. 609.
** White SD, Sequoia D. Food hypersensitivity in cats: 14 cases. Journal American Veterinary Medical Association 194:692-695, 1989.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

30 coisas que o veterinário nunca lhe dirá

Pois é, assim como em todas profissões, há coisas que cada um de nós faz no trabalho que não conta nem ao diabo! O cozinheiro nunca lhe dirá que está constipado e, ups, espirrou para a sopa; o mecânico nunca lhe dirá que sobraram 3 parafusos e 2 porcas depois de voltar a montar a caixa de velocidades do seu carro; o advogado nunca lhe dirá que chumbou àquela cadeira, tão importante para defender o seu caso; nem o informático lhe dirá que ligar e desligar o computador talvez resolvesse o problema.

Assim como em todas estas profissões, também nós fazemos muitas coisas nos bastidores do consultório e pensamos ainda mais coisas quando certos donos se apresentam de determinada maneira na consulta.

Aqui estão apenas 30, que poderão, ou não, aplicar-se à maioria de nós:

1. Os veterinários têm mais medo de pequenos chihuahuas do que de rottweilers monstruosos. Cães pequenos são muito mais mimados do que os maiores, tendo maior margem para fazerem o que querem, o que inclui morder. Ah ele morde mas não magoa dra! Então ponha lá a sua mão na boca do bicho enquanto lhe dou a vacina, 'saxavôr! Por favor donos, tenham bom senso e entendam que, o que para vocês é normal, para nós é visto como uma cena sórdida de "sado-maso" onde se é mordido e se gosta.

2. Se for mal-educado ou agressivo para um dos funcionários da clínica, não será tratado com delicadeza, e nem se irá aperceber disso. Há pessoas que só percebem se falarmos na mesma língua que elas; todas as profissões merecem respeito e não tenho a culpa de se ter esquecido da receita de um medicamento que só posso vender se ma apresentar! 

3. Muitas vezes, a razão pela qual o seu animal é gordo, é porque você também é! Geralmente, as pessoas que não cuidam da sua alimentação, dificilmente entenderão o significado de 'porção diária' ou de 'cortar calorias'. Se dizemos que não pode dar guloseimas porque o seu gato está a pesar 10kg isso inclui a guloseima do "é só hoje"!

4. Geralmente sabemos quando está a mentir. Se o seu cão aparece na consulta com uma massa gigantesca de 4kg a pendurar do abdómen e com um aspecto caquético, por favor não me venha dizer que apareceu ontem!

5. Não temos a culpa de ser pobre! Se recomendamos uma série de análises, diz-nos que tem contenções financeiras, oferecemos um plano mais reduzido e mesmo assim se recusa, não descarregue a sua frustração no médico por este não conseguir adivinhar o que o seu animal tem.

6. Tenha noção que durante as horas de visita o pessoal do internamento está a trabalhar. Quando lhe dizemos "Pronto, agora o Fofinho vai descansar", estamos basicamente a dizer "Sra. Maria, temos exames a fazer ao seu animal e está a empatar-nos".

7. Aos donos cujos cães foram atropelados e entram em colapso quando lhe dizemos que a cirurgia para salvar o seu animal custa 1000€, só me apetece dizer-lhes "uma trela custava-lhe 2€..."

8. "Eu sei que ele não devia comer, mas..." P-o-r  f-a-v-o-r! Este é o típico dono que, geralmente, quando pega num chocolate, todos os dias, pensa a mesma coisa. A diferença é que o chocolate não nos mata. Dar comida não é dar amor!

9. Cada vez que salvamos um animal, salvamos uma pessoa. A típica dona velhota que não tem mais nada na vida senão os seus gatinhos e a única vez que tem interacção social é quando os leva ao veterinário, mesmo que quem esteja a precisar da consulta seja ela :)

10. Quando há donos que entregam os seus animais na clínica por não terem dinheiro para tratar das suas doenças, muitas vezes é alguém da clínica que fica com eles.

11. Muitos de nós dão borlas! Quando vemos que um dono que está com dificuldades, escrevemos na ficha "contenção monetária" e tentamos gastar o mínimo possível, muitas vezes nem cobramos consultas. Sim é verdade, e era bom que nos agradecessem por isso de vez em quando.

12. Muitas clínicas têm estagiários ou pessoas recém-formadas lá e sim, elas treinam no seu animal (nada que lhes inflija dor, à partida). Como poderão elas treinar se não for num animal, principalmente se for um hospital escolar. Se isto o incomoda, por favor, refira que não consente antes do seu animal ser internado, tentaremos cumprir.

13. Raramente podemos ajudar com problemas comportamentais: culpem os programas curriculares das faculdades! Não percebemos nada disso

14. Não precisamos ter altas notas no secundário para entrar em medicina veterinária: existem faculdades privadas onde só é necessário ter dinheiro, ou muita coragem para nos endividar-mos para o resto da vida.

15. Não há nenhuma legislação quanto à eutanásia. A única regra que nos rege é o bom senso e a ética.

16. Animais saudáveis não precisam de vitaminas. As rações hoje em dia têm todos os componentes que os animais precisam para uma dieta balanceada.

17. Por falar em ração, não alimente o seu animal com comida caseira. É muito difícil incluir todos os nutrientes que o animal precisa, a não ser que consulte um veterinário nutricionista. Este site, em inglês, pode também ajudar: www.balanceit.com 

18. As pipetas e coleiras baratas que se vendem nos supermercados não funcionam. Pois é.

19. Gatos de interior não precisam de vacinas. Depois daquelas vacinas nos primeiros meses de vida, um gato que nunca sai de casa nem contacta com outros gatos não vai apanhar nada a não ser uma vida sedentária.

20. Não se ponham a tocar no nariz do cão para ver se tem febre. Gostava de saber onde surgiu este mito, há muitos animais saudáveis com um nariz mais seco que um bocado de granito e animais a morrer com um nariz mais húmido que as Cataratas do Niágara.

21. O pior erro é aparecer na consulta tarde demais. Geralmente, se o seu animal estiver com algum sintoma por mais de um par de dias, é porque está doente e precisa de ir ao médico.

22. Se o animal estiver mesmo doente, o melhor é levá-lo durante a manhã. Ao fim do dia, como qualquer outro profissional, queremos é ir para casa, tirar os sapatos, deixar de cheirar a pêlo molhado e a sangue infectado e fazer o jantar. Se a clínica fecha às 19H e traz o seu animal às 18H com a história de que anda a vomitar há 2 semanas, não espere que o seu caso seja tratado com a urgência que merece, quando nem o próprio dono o tratou.

23. Se tem um animal, principalmente de raça, invista num seguro de saúde. Ah e tal, e se eu não usar o seguro, que desperdício de dinheiro! Quando paga o seguro do carro, e chega ao fim do ano e não teve nenhum acidente, também pensa "Bolas, não tive nenhum acidente, que desperdício de dinheiro."? Bem me parecia...

24. Muitos veterinários não se actualizam em relação às directrizes mais recentes de tratamentos. E não há muito que possamos fazer em relação a isso, a não ser mudar de veterinário.

25. Muitas farmácias vendem o que nós vendemos nas clínicas, às vezes até mais barato. Pesquisem antes de comprar!

26. Muitas das embalagens/latinhas de comida "gourmet" são basicamente comida de plástico para o seu animal. Sim, aquelas caras do supermercado.

27. A maior parte dos medicamentos que damos aos animais tem uma versão mais barata para humanos, com doses diferentes, claro. Contudo, o código ético não nos permite receitar medicamentos de medicina humana quando há opções específicas para aquela espécie. Mas toda a gente já fez isso.

28. Levem o gato numa transportadora de plástico com tampa superior, daquelas feias mesmo. Esqueçam aquelas malinhas maleáveis com padrões de patinhas e espinhas às cores e brilhantes à volta. Não só são difíceis de higienizar quando o seu gato vomitar (e não só) a caminho do veterinário (e ele irá fazer tudo isso), como são perigosas para nós quando queremos tirar o animal lá de dentro.

29. Não reclamem de uma conta de 100€ quando têm telemóveis de última geração e carros maiores que o do próprio patrão.

30. Agradeçam ao vosso veterinário todo o esforço que faz, com limitados recursos (afinal os animais ainda não falam), para que o vosso animal esteja sempre bem.

Shhhhh... é segredo!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Cão de raça + Pack de doenças (PROMOÇÃO DO MÊS)

Não, este artigo não vai começar (nem acabar) com a conversa do costume: "ah blábláblá adoptem em vez de comprar" ou "ah blábláblá há tanto cães em canis à espera de um dono...". 

Que pessoa horrível! Acha que se deva comprar cães de raça em vez de adoptar os pobres rafeiros?
Não, mas também tenho noção que as pessoas que compram um cão de raça sabem perfeitamente que há cães rafeiros (e não só) para dar nos canis. Quem está a ler este artigo tem ou está a pensar ter um cão de determinada raça (ou simplesmente lê isto porque adora o sarcasmo aqui contido) e tudo o que eu puder dizer para tentar dissuadir tal indivíduo será em vão. A informação parece tão óbvia que escrevê-la aqui só iria ocupar espaço e tempo ao caro leitor que já decidiu que quer a raça X porque sim.
(Ups, parece que afinal ocupei ainda mais espaço a justificar-me)

Vamos, em vez disso, começar de outra maneira: se quer manter a saúde da sua carteira não tenha animais, mas se quer manter a saúde da sua conta poupança-reforma não compre animais de raça.

Abaixo segue-se uma lista daquelas que, na minha experiência, são algumas das raças mais populares em Portugal. Por razões práticas, só serão abordadas algumas delas, caso contrário não saíamos daqui nem lá para Agosto de 2045.

Algumas das doenças que se seguem não possuem estudos suficientes para determinar se a sua origem é hereditária (passada de pais para filhos), contudo, o senso comum diz-nos que muitas delas provavelmente serão. 
Para os mais interessados há uma secção à direita neste blogue intitulada "Doenças já abordadas neste blogue" onde se encontram os nomes esquisitos que vão aparecendo por aqui e uma breve explicação destes, em alternativa ao Dr. Google
Resta acrescentar que não é recomendada a reprodução de nenhum animal que apresente uma ou mais destas doenças.

Ora então cá vamos nós (*ai que eu já estou a ver muito texto*):

  • Labrador Retriever: muito dócil e inteligente, toda a gente tem ou conhece alguém que tenha um cão, pelo menos, arraçado de labrador. A título de curiosidade, vi uma vez um anúncio do OLX a anunciar uns bebés "'Lavrador' 'Retriver' - Cães 'Scootex'", no título do anúncio só mesmo a palavra "cães" estava bem escrita, ou isso ou então "Scootex" é a nova concorrente marca branca da já tão conhecida marca Scottex do papel higiénico.
    • Doenças mais importantes: basicamente displasias (da anca, do cotovelo e da retina)
    • Outras doenças: alergias, cataratas, diabetes, epilepsia e torção gástrica (evitável com recurso a uma pequena cirurgia)...
  • Pastor alemão: super conhecido pelas séries policiais.
    • Doenças mais importantes: mielopatia degenerativa (descoordenação nas patas traseiras), insuficiência pancreática exócrina, panosteíte (inflamação dos ossos das patas), displasia da anca (claro), hemofilia (dificuldade do sangue em coagular), pannus (inflamação da córnea) e fístula peri-anal (inflamação grave das glândulas peri-anais - à volta do ânus).
    • Outras doenças: sarna por demodex (um parasita da pele), cataratas, displasia do cotovelo, hiperadrenocorticismo (excesso de cortisona no sangue), epilepsia, megaesófago (esófago muito grande), IBD (inflamação persistente dos intestinos), displasia da retina e miastenia gravis (fraqueza muscular que melhor com o repouso)...
  • Caniche (ou poodle): assim como o labrador, toda a gente conhece alguém com um cão arraçado de caniche. Até muitos dos cães de canil, algures no seu passado genético, tiveram um tio-avô longínquo com um primo em 4º grau que talvez fosse caniche.
    • Doenças mais importantes: luxação da patela (coxear intermitente) e displasia da válvula mitral (doença cardíaca comum em cães velhotes pequenos).
    • Outras doenças: criptorquidismo (retenção dos testículos), diabetes, hiperadrenocorticismo, variados problemas oculares (glaucoma, anormalidades na direcção das pestanas, microftalmia...), problemas cardíacos congénitos, epilepsia e surdez.
  • Yorkshire Terrier: mais uma raça que, por quase caber no bolso, se tornou viral, principalmente entre as senhoras.
    • Doenças mais importantes: luxação da patela, shunt porto-sistémico, colapso traqueal e displasia da retina.
    • Outras doenças: cataratas, criptorquidismo, hiperadrenocorticismo, problemas cardíacos congénitos e conjuntivite.
  • Bulldog francês: raça cada vez mais em ascensão no mundo das estrelas caninas, dá vontade de cantar a famosa música infantil com ligeiras alterações ♫ (...) de olhos vermelhos, focinho curtinho, dou muito trabalho, sou um bulldog doentinho (...) ♫
    • Doenças mais importantes: alergias, sarna por demodex, síndrome do braquicéfalo (compreende uma série de doenças) e IBD (inflamação crónica dos intestinos).
    • Outras doenças: megaesófago, variados problemas oculares, hipotiroidismo, problemas de coluna e conjuntivite.
  • Boxer: o Boxer não é muito diferente do Bulldog ou qualquer outra raça que aparente ter ido contra uma porta de vidro.
    • Doenças mais importantes: problemas cardíacos (arritmias, cardiomiopatia dilatada, problemas congénitos...) e mielopatia degenerativa (descoordenação nas patas traseiras).
    • Outras doenças: alergias, torção gástrica, hipotiroidismo, criptorquidismo, sarna por demodex, conjuntivite, cataratas e epilepsia.
  • Pug: a mesma história do Bulldog, 'animais com o focinho muito achatado não pode dar bom resultado'.
    • Doenças mais importantes: síndrome do braquicéfalo (compreende uma série de doenças) e conjuntivite.
    • Outras doenças: alergia, sarna por demodex, dermatite nas pregas de pele e cataratas.
  • Golden Retriever: quase parecem labradores de pêlo comprido, não é? Assim como eles são também muito usados hoje em dia para a assistência a pessoas invisuais ou com algum tipo de incapacidade motora ou mental (a demanda é superior à oferta neste último caso).
    • Doenças mais importantes: displasias tais como as do labrador (da anca, do cotovelo e da retina) e ainda alguns problemas cardíacos congénitos.
    • Outras doenças: alergia, cataratas, epilepsia, hipotiroidismo e shunt porto-sistémico.
Eu tenho bebés de "lavrador" para vender e gostava de saber onde é que a 'xôtora se baseou para tirar estas informações, assim afugenta-me os fregueses...
Esta lista de doenças foi baseada na "Base de Dados de Distúrbios Hereditários Caninos" da Universidade de Prince Edward Island, acessível em inglês aqui, onde uma imensidão de raças se encontra disponível para consulta... mas penso que "lavradores" não constam ainda neste site.

Mesmo se depois de toda esta lavagem cerebral de nomes complicados ainda acha que tem a capacidade financeira e psicológica de comprar um animal destes (e mantê-lo durante uma boa década e tal), seja um dono responsável e não compre através de anúncios no OLX.
Para obter uma lista de criadores credíveis para determinada raça envie e-mail para o Clube Português de Canicultura aqui. Isto fará a diferença, pelo menos, em saber a genética dos pais e se os animais foram despistados para algumas das doenças hereditárias mais comuns, coisa que os "criadeiros" do OLX quase nunca fazem. Muitas vezes mal sabem escrever o nome da suposta raça que estão a vender.
Outro conselho é ir ver as ninhadas; desconfie se o criador não lhe quiser mostrar o sítio onde os cachorros estão ou se a mãe estiver ausente e nunca leve para casa cachorros com menos de 2 meses de idade.
É expectável que o criador faça perguntas acerca do estilo de vida dos futuros donos, de modo a poder recomendar um cachorro em particular baseado no seu temperamento. Um criador responsável irá igualmente oferecer ajuda em qualquer eventualidade num futuro próximo relativa à saúde do cachorro e prontificar-se-á a recolher o animal caso haja algum problema que possa ser da sua responsabilidade.
É igualmente boa ideia perguntar qual a "política de devolução" e qual a atitude do criador caso surjam problemas de saúde pouco após a compra ou em casos onde doenças possivelmente genéticas só se desenvolvam anos depois.

Há maneira de saber se o meu cão é de raça pura?
Há. Aqui até muitos de nós, veterinários, nos podemos enganar. Estudos americanos compararam identificação visual de veterinários com testes de ADN em relação à identificação de raças caninas e apenas 25% dos vets acertaram. Acho muito pouco, mas não se esqueçam que isto foi na América.
A maneira mais infalível é, sem dúvida, através de testes de ADN. Em Portugal não existe ainda nenhuma empresa que comercialize estes testes, mas eles podem ser comprados online, enviados para casa, esfregar um cotonete gigante na boca do cão e enviar para a morada da empresa. Em algumas semanas os resultados serão enviados.

Olhe que boa ideia! E isso é caro?
Os preços que encontrei rondavam todos os 70€ e picos.

Epá isso é muito dinheiro!
Acredito que sim, mas vejamos as vantagens destes testes:

  • Especialmente importante para donos de cães de "raças potencialmente perigosas". Quase sempre a classificação da raça é feita visualmente pelo vet, podendo levar a más interpretações. Como se sabe, os donos destas raças têm que ter uma data de papelada e cuidados com os seus animais. E se de repente o seu "pitbull" fosse apenas 10% American Staffordshire Terrier e os outros 90% uma mistura de outras raças? Acha improvável? Então veja este artigo (em inglês).
  • Se é 'criador' do OLX, ou de quintal, e diz que vende uma raça pura, porque não provar a "pureza" dos pais fazendo um teste a cada um e expondo o certificado, tornando-se assim um vendedor credível na sua comunidade.
  • Outra vantagem, para as pessoas com cães rafeiros (ou raça street dog puríssima),  informar-se em relação às várias misturas de raças das quais o seu cão "é feito", torna-o num dono sensibilizado para os problemas de saúde mais prováveis que o seu amigo possa vir a ter.

Hm... não me convenceu mas vou investigar...
De salientar também que ter um cachorro bebé dá... mesmo... muito... trabalho!! Fazem cocó e xixi por todo o lado, roem tudo, ganem durante a noite, levam-nos o ordenado nas primeiras consultas do veterinário e às vezes ainda apanham doenças, os malvados. Se mesmo assim quer um cão de raça pondere comprar um já em adulto, onde o seu comportamento estará bem mais controlado, as vacinas serão só anuais (ou não, ler artigo sobre vacinações) e provavelmente não custará nem um terço. Contacte os criadores das raças através do formulário acima mencionado e pergunte se não têm um cão/cadela adulto que possam vender por não estar apto para reprodução.

Isto de ter cães de raça é só para ricos!
Nem por isso.
Para quem gostaria de ter um cão de raça e não tem dinheiro ou não quer contribuir para este tipo de economia existem diversas opções, uma delas é uma página no Facebook super activa que promove e divulga a adopção de cães de raça em Portugal. Parece-me uma opção viável entre estética, preço e consciência de cada um. Obviamente os canis municipais lá vão tendo um Husky velhote, um arraçado de labrador perneta, um caniche zarolho ou ainda um pitbull (que nem raça reconhecida é) com uma história de vida miserável cujo dono foi preso por violência doméstica e por isso está para adopção. Estes sítios são os ideais para quem quer adoptar pois, na maioria dos casos, os animais são oferecidos esterilizados, vacinados, desparasitados (importante quando se vem do canil) e, muitas vezes, por terem sido adoptados em canis municipais, usufruem de imensos descontos em clínicas veterinárias parceiras, campanhas de vacinações gratuitas, registo na câmara municipal gratuito... enfim... adoptar, na minha perspectiva, é sempre a melhor opção e é nestes animais que realmente sentimos um profundo agradecimento na forma de linguagem não verbal.
Bolas, afinal acabei mesmo com a conversa cliché dos defensores de animais... 


Todas ou quase todas as raças de cães que se conhecem.
Fonte: imagem gentilmente sacada de http://caomante.blogspot.pt/2013/07/todas-racas-conhecidas-de-caes.html 

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Desparasitar - "Desparatisar" p'rós amigos

ATENÇÃO! ARTIGO OPINATIVO (prossiga por sua conta e risco)

O típico dono adquire um animal de estimação e das primeiras coisas que lhe impingem explicam no veterinário (a seguir ao protocolo de vacinação, claro) é um outro protocolo que muitos têm até dificuldade em pronunciar: des-pa-ra-si-ta-ção, muitas vezes abreviado para "desparatisação". Tudo isto parece é um grande disparate!

*Palavras complicadas que esta classe profissional inventa pá!*

É meus queridos, mais um tema que vai pôr muita gente... em pulgas.

Primeiro de tudo vamos dividir as águas, há dois tipos de desparasitação:

  • Externa: elimina pulgas, carraças, piolhos, mosquitos... (tudo o que vem do exterior)
  • Interna: elimina lombrigas e bichezas dos intestinos, basicamente

De acordo com os fabricantes, estes devem ser aplicados...


Ah esta eu sei, esta eu sei! Pipetas todos os meses pr'as pulgas e comprimidos de 4 em 4 meses ou coisa assim pr'os vermes...
Muito bem! De facto, isto é o que, provavelmente, grande parte dos veterinários aconselha. A desparasitação externa, apesar de poder ser feita de outras maneiras, é mais usada na forma de pipeta que se aplica atrás do pescoço ou ao longo do dorso. Enquanto que a desparasitação interna costuma ser efectuada através de um comprimido que, basicamente, limpa tudo. A sua frequência pode variar de acordo com o estilo de vida do animal ou se contacta com crianças ou imunodeprimidos, às vezes é recomendado todos os meses, outras vezes de 6 em 6...

Oh, isto já eu sei... Até aqui nada de novo, vou mas é para outro blogue que este é uma seca!
Antes de saltar para conclusões precipitadas (onde é que já se viu, achar o meu blogue uma seca), vamos esclarecer uma coisa: estamos no século XXI (caso restem dúvidas por aí).
Com isto quero dizer que, antigamente, talvez no tempo dos pais ou avós de muitos de nós, praticamente toda a gente tinha uma lombriga de estimação. Assim sendo, e porque o pessoal ainda era mais pobre do que agora (imagine-se!) era bem mais fácil e prático desparasitar tudo e todos do que analisar cada caso isoladamente e tratar só os que realmente tinham uma lombriga falsa amiga.

A 'xôtora 'tá então a dizer para "desparatisar" só quando se suspeita que o bicho está com bichos?
Em relação às pipetas, e porque as pulgas hoje em dia já não são sazonais nem fáceis de controlar no meio ambiente uma vez instaladas, sugiro que se deva seguir o protocolo habitual (mesma coisa para a prevenção do mosquito da leishmaniose e dirofilaria nas zonas que fazem sentido). Aqui estão as directrizes mais actuais (Abril 2016) para o controlo e prevenção destes parasitas externos.
Contudo, hoje em dia, principalmente nos centros das cidades, os animais já têm os intestinos mais do que esterilizados, com comprimido para aqui, comprimido para ali... Ao fim de contas, estamos a dar, às vezes todos os meses (como aconselha aqui em alguns casos), um medicamento que, apesar de tudo, não previne futuras infestações e sobrecarrega o fígado, não trazendo vantagem nenhuma se o animal estiver "limpo".

E como é que posso suspeitar que o meu animal está infestado?
Simples. Geralmente as infestações intestinais dão sinais clínicos, tais como: diarreia, apetite voraz ou perda deste, diminuição do peso, fraqueza, anemia, arrastar o rabo pelo chão nos cães (muito relacionado também com dificuldades no esvaziamento das glândulas peri-anais)...
Felizmente, para confirmar se o seu animal tem ou não uma infestação intestinal, o veterinário fará um teste barato, chamado coprologia parasitológica. Não querendo entrar em muitos detalhes, porque já se adivinha o que daqui vai sair, o dono vai ter que, durante três dias alternados, recolher as fezes do seu melhor amigo e levá-las ao seu veterinário (particularmente desafiante quando se trata de diarreia). Ele fará então o trabalho, literalmente, sujo: misturar as fezes de cada dia e observar ao microscópio.
Ah! Esta nobre profissão!
Muitas vezes, contudo, pode encontrar-se uma ligeira carga parasitária, sem que isso tenha repercussões negativas na saúde do animal, ou seja, haver parasitas sem que estes causem doença. Nestes casos, o ideal será vigiar o animal em vez de nos precipitar-mos logo para uma limpeza geral, que irá perturbar o equilíbrio simbiótico que poderá estar a ocorrer há anos.

Existe algum remédio caseiro que possa usar em vez destas coisas sintéticas? Lá na minha terra davam (___inserir mezinha aqui___)...
Talvez. Numa breve pesquisa online consegui encontrar desde alho a banhos de vinagre, passando por sementes de abóbora, cravinho e cenouras tendo parado quando li absinto... ah claro, e sempre em noites de lua cheia, 'saxavôr! Estudos científicos na matéria são praticamente nulos, e quem sou eu para pôr a sabedoria popular em questão. Recomendo? Não, de forma nenhuma. Mas siga e depois digam-me se resultou.

Ah e tal, eu desparasito internamente o meu cão/gato de 3 em 3 meses porque tenho crianças pequenas, logo esta conversa para mim não se aplica.
Nos casos em que o animal contacta com crianças (ou outro grupo susceptível) concordo que se façam desparasitações regulares, de preferência baseadas nos tais testes coprológicos acima descritos. Contudo, muitas vezes, o parasita mora ao lado, senão vejamos este estudo de 2014, onde se analisaram 19 parques públicos, incluindo parques infantis, da Grande Lisboa e se recolheu solo e material fecal para a pesquisa de Toxocara (parasita intestinal muito comum nos países desenvolvidos). 
Resultados? Só no solo dos parques infantis (aqueles com caixas de areia) 85,7% destes continham o tal parasita, mas interessantemente, dos cocós lá apanhados só 14,3% estavam contaminados. Nos parques públicos o cenário é um pouco menos desconcertante: só metade dos parques analisados tinham Toxocara no solo e, muito semelhante aos parques infantis, apenas 16,7% das fezes continham o parasita. Da próxima vez que fizer um piquenique ao sábado à tarde num lindo relvado, lembre-se de reservar o seu lugar nesta festa de parasitas, entrada gratuita! 
Ah, esqueci-me de dizer que, simplificando, existem duas espécies importantes de Toxocara: canis e catis. A mais encontrada no solo destes sítios foi a T. catis, preciso de explicar a que espécie pertence?
Ou seja, o problema, muito provavelmente, não está em esterilizar ainda mais os nossos cães (que alguns nem vão aos jardins) e sim perceber que, independentemente disto, existe uma outra classe de animais, os gatos errantes, que têm mais com que se preocupar do que ir ao vet comprar o comprimido da desparasitação.
É assim fulcral o ensinamento de regras básicas de higiene aos miúdos, não só quando se acaba de mexer nos animais mas quando se vai a parques infantis, de modo a diminuir a probabilidade de infestação.

Concluindo: 
  • Não sobrecarreguem o fígado do vosso bichinho, vai-lhes ser muito útil quando forem velhotes;
  • Façam testes coprológicos que são baratos (à volta do preço de um comprimido de desparasitação);
  • Não metam os vossos filhos em parques infantis com caixas de areia (= wc gigante dos gatos);
  • Ensinem regras de higiene aos pequenos e expliquem-lhes o porquê;
  • Adoptem um gato de rua (bebé) e desparasitem-no :)

Surpreendam o vosso veterinário este Natal: levem-lhe um presente original





quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Vacinas - O que o veterinário não lhe disse

Hoje começamos com um tema controverso.

Vacinas.

Vamos começar pelo início: um animal nasce.

Nasce, e se for um animal com sorte vai ter uma mãe presente que lhe vai fornecer uma alimentação baseada em colostro nos primeiros dias de vida seguido de leite. Este colostro e leite, cheios de defesas contra os males do mundo, vão proteger a cria durante... depende...

Quem tem ou teve cães desde bebés sabe que nos primeiros meses de vida já está lida a sina:

  • Às 6 ou 8 semanas vacinar contra a esgana, parvovirose e hepatite infecciosa canina;
  • Passadas 2 a 4 semanas fazer novo reforço e adicionar leptospirose;
  • E mais outro reforço disto tudo 2 ou 4 semanas depois e desta vez adicionar ainda a raiva.
Ou, por outro lado, donos de gatinhos bebés:
  • Às 6 ou 8 semanas vacinar contra a panleucopénia, herpesvirus felino e calicivirus;
  • Passadas 2 a 4 semanas fazer novo reforço;
  • Repetir a dose 2 a 4 semanas depois.

Estes protocolos vacinais começam na altura que, em geral, as defesas dadas pela mãe já estão a desaparecer do organismo do cachorro ou gatinho (6-8 semanas de vida). Porquê? Porque vacinar antes disso seria totalmente em vão: os anticorpos da mãe iriam aniquilar os antigénios da vacina.

E porque é preciso vacinar 3 vezes para 3 doenças? Uma vez não chega?
Como escrevi anteriormente: "(...) Na altura que, em geral, as defesas dadas pela mãe já estão a desaparecer (...)"... Há animais que, por terem tido super mães, cheias de defesas, a sua imunidade dura muito mais do que as 6-8 semanas de vida, podendo chegar até às 14 semanas. Se formos vacinar um desses super cachorros, com imunidade até, por exemplo, às 14 semanas, todas as vacinas que lhe dermos até essa altura vão ser inactivadas pelos anticorpos que a mãe lhe deu. Por isso é preciso vacinar e revacinar e revacinar até à 3ª vez para garantir que os anticorpos da mãe já não são suficientes para influenciar a eficácia da vacina.

Ok, pronto, então pago as vacinas contra a esgana, parvovirose, hepa... hepatite quê?
Pois é, logo aqui começam as questões. 
Infelizmente, os veterinários estão presos àquilo que as indústrias farmacêuticas produzem, ou seja, não é possível vacinar individualmente para cada doença. 

Infelizmente? Então mas infelizmente porquê? Assim é mais prático para vocês!
É... Desafio qualquer pessoa a realizar uma pesquisa sobre os últimos casos de hepatite infecciosa canina em Portugal. Eu nunca vi nenhum, nem conheço nenhum colega que tenha visto. Para além disto, está descrita uma diminuição na imunidade durante dez dias depois de dada a vacina contra esta doença.
Da mesma maneira, a duração da imunidade para a leptospirose pode ser inferior a um ano e estas vacinas são reforçadas anualmente...
Isto faz-nos concluir que, para além de estar-mos a vacinar para doenças que já nem existem estamos também a subestimar a leptospirose e todas as variantes que ela possui.

Então estamos a sobrevacinar por um lado e subvacinar por outro? Não foi nada disto que me disseram no veterinário!
Exacto. Aqui, para os mais corajosos, estão as directrizes de Janeiro de 2016 (as mais actuais) em relação à vacinação de cães e gatos da associação mundial de veterinários. Para quem não quer ler as longas 50 páginas, saltemos logo para a 17, onde se encontra uma tabela que resume os intervalos de vacinação para cada doença. Podemos logo constatar que, em relação à parvovirose (ou panleucopénia felina, página 21) a recomendação é de revacinar de 3 em 3 anos. Podemos igualmente perceber, como anteriormente referido, que a vacina contra a leptospirose não garante uma imunidade anual.
Contudo, e mesmo sabendo tudo isto, não é possível vacinar, por exemplo, para a leptospirose de 6 em 6 meses e para a parvovirose trienalmente, pois ambas se encontram combinadas no mesmo lote.
Assim, e para explicar tudo isto aos donos interessados, é importante haver uma constante actualização por parte dos veterinários e vontade por parte dos donos de lerem sobre a matéria e perceberem o que realmente estão a pagar. 

Ah e há mais... mais?
Uma empresa farmacêutica (Vanguard) realizou um estudo em relação à probabilidade de imunização para a parvovirose às 6, 9 e 12 semanas e:
  • Dos cães vacinados às 6 semanas contra a parvovirose, só 52% ficaram protegidos nessa altura;
  • Dos cães vacinados às 9 semanas contra a parvovirose, 88% demonstraram reacção à vacina;
  • Todos os cães vacinados às 12 semanas ficaram protegidos contra a parvovirose.
Ainda, e de acordo com alguns investigadores, quando uma vacina é repetida parece que a primeira dose pode interferir com a segunda, causando assim uma dupla probabilidade de efeitos secundários. Existem inclusivamente variadas pesquisas que parecem indicar que grande parte das doenças crónicas que surgem em animais mais velhos poderão estar relacionadas com a vacinação em excesso.
Conclusão: o ideal seria fechar os animais em casa até às 12 semanas (que já é o que acontece mesmo levando o plano vacinal normal) e só aí vacinar, apenas uma vez para as doenças virais, e a partir daí realizar um teste para medir a resposta imunitária do animal àquelas doenças até ao primeiro ano de vida e a partir daí de 3 em 3 anos. Contudo, os testes (titulação de anticorpos) são mais caros que as vacinas e a maioria dos veterinários está formatada para nem sequer falar sobre eles.

Os veterinários devem é fazer dinheiro pela quantidade de vacinas que cobram, cambada de chupistas!!
Nim, e isto é uma triste realidade da profissão a nível nacional (pelo menos). 
Existem alguns, raros, casos onde o médico veterinário ganha um ordenado base (baixo) e cada vacina que aplica vai acumulando no salário. Felizmente, como disse, são raros esses sítios e é pena que um médico-veterinário se deixe submeter a tal humilhação, pronto disse!
A maioria dos médicos veterinários que trabalha em clínicas ou hospitais não ganha "à comissão", contudo, e porque há contas para pagar, a maioria dos centros de atendimento precisam das vacinas para pagar a renda, os fornecedores... e vão incutindo um certo grau de pressão no médico veterinário para vender o que quer que seja (vacinas, rações, suplementos...). Cabe à consciência de cada um (e à necessidade) permanecer nesse tipo de ambientes e ir contra os ideais que o levaram a seguir esta, outrora, nobre profissão.

Então e os animais que se adoptam já em adultos, vale a pena vacinar? Eles já estão cheios de defesas com certeza!
Um cão/gato adoptado em idade adulta (mais de um ano de idade), com histórico de vacinações desconhecido já teve provavelmente contacto com diversos agentes patogénicos ao longo da sua vida, poderíamos então concluir que o seu sistema imunitário já está mais do que preparado para enfrentar qualquer doença infecciosa. Contudo, frequentemente ocorrem novas estirpes virais e/ou bacterianas no meio ambiente, o que apanha muitos destes animais desprevenidos. Por isso aconselho, sempre que existirem novas estirpes e consequentemente novas vacinas, a vacinar os animais mesmo adultos que venham de canis. Mas isso também está tudo explicado no documento lá de cima, mais precisamente na página 8, desta maneira:

Um cão adulto que tenha recebido uma série completa de vacinações essenciais quando filhote, incluindo um reforço às 26 ou 52 semanas, mas que pode não ter sido vacinado regularmente quando adulto, requer apenas uma única dose de vacina essencial contendo VVM (vacinas com vírus modificado) para reforçar a imunidade. Similarmente, um cão adulto (ou filhote com mais de 16 semanas de idade) adotado, com histórico de vacinação desconhecido, requer apenas uma única dose de vacina essencial contendo VVM  para gerar uma resposta imune protetora. As folhas de dados de várias vacinas avisarão nestas circunstâncias, que o cão requer duas vacinações (como para um filhote), mas esta prática é injustificada e contrária aos princípios imunológicos fundamentais. Note, novamente, que isto não se aplica às vacinas não essenciais, muitas das quais requerem duas doses em um cão adulto.

Pois é... só uma dose... mas o problema é que as vacinas não essenciais (ex.: leptospirose) e essenciais (ex.: parvovirose) estão todas misturadas na mesma vacina e precisamos mesmo, por enquanto, de fazer um reforço após a primeira inoculação.

Wow! O que já aprendi hoje... Então e vacinar a mais faz mal?
As consequências da sobrevacinação vão depender muito do animal em si. Geralmente, os donos de animais idosos ou debilitados devem preocupar-se mais em estabilizar o estado de saúde do seu animal pois as vacinas, afinal de contas, não são mais do que pedaços da doença, inactiva ou não. Um animal já de si debilitado não terá condições imunitárias para responder a um vírus, mesmo que fraquinho, podendo ainda piorar a doença subjacente.
É ainda de extrema importância alertar os novos donos que levam pelas primeiras vezes os seus animais à vacina que, depois desta, devem aguardar na sala de espera, pelo menos 15 minutos, de modo a detectar antecipadamente qualquer tipo de reacção vacinal adversa.

O que é isso de reacção vacinal adversa? Há raças mais predispostas?
Há vários graus de reacções adversas:
  • Ligeiro (pode aparecer até 48h após o acto de vacinação): inchaço na região da vacina, febre ligeira, letargia, falta de apetite ou ainda um nódulo duro na zona da picada que tende a desaparecer com o tempo e não representa nenhum perigo para o animal;
  • Moderado: comichão intensa em todo o corpo ou inchaço de algumas zonas do corpo;
  • Grave (aparecem minutos após o acto de vacinação): vómitos, diarreia, convulsões, fraqueza  muscular e falta de ar. Em cães e gatos os sinais são semelhantes.
De salientar que as reacções adversas, principalmente as graves, não ocorrem na primeira vacinação do animal, mas sim na segunda ou terceira. Mesmo que o seu médico veterinário não refira isto na primeira consulta, tente não se afastar muito da clínica nos primeiros minutos, garantindo assim um auxílio rápido caso algo aconteça.
As raças de cães mais predispostas a reacções vacinais adversas são: Akita, Cocker Spaniel Americano, Pastor Alemão, Golden Retriever, Setter Irlandês, Grand Danois, Kerry Blue Terrier e todas as variedades de Dachshund e Caniche. Recentemente, novos estudos demonstram que as raças mais predispostas poderão incluir ainda o Standard Poodle, Dachshund de pêlo comprido, Old English Sheepdog, Scottish Terrier, Shetland Sheepdog, Shih Tzu, Vizsla e Weimaraner, assim como raças de pelagem branca.

Então e aquela história das vacinas fazerem tumores em gatos? Isso é verdade?
É raro mas sim, e isso está muito bem explicado na página 14 do documento acima mencionado. Para quem está com preguiça de ler, ou mesmo para quem nunca tenha ouvido falar disto, eu resumo.
Há já alguns anos que se tem relatado um surgimento de tumores (sarcomas) associados aos locais de injecção de vacinas com adjuvantes de alumínio em gatos (adjuvante = composto que ajuda a vacina a funcionar melhor), especialmente a vacina contra o FeLV (leucemia felina) e, ainda mais, a vacina da raiva (usada mais quando o animal viaja).

Mas ó xôtora, eu sou veterinário e isso nunca me aconteceu!
Isso não quer dizer que nunca venha a acontecer. Realmente, a probabilidade de suceder está descrita ser de 1 para 5000 a 12500 gatos, mas é essencial informar os donos disto.
Para além de informar os donos, uma medida bastante útil, e inclusivamente aconselhada, é vacinar para estas doenças apenas se estritamente necessário e cada vez numa zona diferente do corpo, de preferência uma zona que possa ser... amputada.

Independentemente de tudo isto, o plano vacinal de cada animal deve ser feito de forma individual e personalizada a cada caso, tendo em conta o estilo de vida do animal e as epidemias presentes naquele ano e naquela região. Vacinar a mais traz certamente desvantagens, mas não vacinar de todo é catastrófico. Desde que o médico veterinário esteja ciente e transmita o que está a ser inoculado e as diferentes possibilidades e vias de escolha, o cliente sentir-se-á esclarecido, incluído nas decisões que toma para o seu animal e com certeza será alguém que voltará, não porque o veterinário disse, mas sim porque sente que é sua responsabilidade zelar pela saúde de quem depende dele para o proteger.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Introdução - O que é isto afinal?

Este blogue nasce da necessidade de colmatar a falta de um elo de ligação entre os profissionais veterinários e o público em geral, seus clientes.
É triste ver, vezes e vezes sem conta, clientes em busca de informação no vasto mundo cibernáutico, acabando, muitas vezes, com dados incorrectos ou contraditórios, podendo estes, muitas vezes, trazer desfechos trágicos para os seus animais.

Tudo por falta de informação!

No mundo em que vivemos é imperativa a existência de fontes de informação fidedignas em qualquer área, para além disso, li num reclame de rua qualquer há uns tempos, que o sentido da vida é encontrar o nosso dom mas o objectivo da vida é oferecê-lo, e eu farei o que poder no campo que me compete: medicina veterinária.

Não, não irei substituir a ida ao médico veterinário nem darei consultas virtuais, mas irei certamente informar, a quem tiver a paciência de me seguir, acerca dos tópicos que achar mais pertinentes e inclusive tirar potenciais dúvidas que possam surgir, se vir que assim se justifica.

Neste blogue poderão, então, sumariamente, encontrar:

  • Temas relacionados com diversas doenças, principalmente de cães e gatos, mas ocasionalmente outras espécies;
  • Algum humor ocasional para desanuviar a coisa;
  • Pensamentos aleatórios e devaneios de uma médica veterinária em ruptura;
  • E outras coisas que possam surgir pelo caminho...

De relembrar que há certos assuntos que poderão dividir opiniões e, nesse caso, expressarei a minha ideia com as suas devidas justificações, informando o leitor que este poderá ser um assunto controverso.

E não, não uso o novo acordo ortográfico!

Siga!